Um dia, assim de repente, morreu o Miles Davis. Quando as televisões interromperam a sua frivolidade costumeira para dizer isto e regressar à sua frivolidade costumeira, desatei a chorar. Foi a primeira vez que me sucedeu chorar pela morte de um músico. Intrigou-me que o meu corpo o tenha pedido. Suspeito que chorava, não apenas por aquela pulsão egoÃsta de quem sabe que morreu aquele que, desde sempre, fez a melhor música que eu conheço; não apenas pelo significado artÃstico da morte de um homem que entendia o jazz com a dignidade de uma revelação estadÃstica; percebo hoje que chorei pela razão do costume: porque era seu amigo. A sua música, o seu percurso, o seu exemplo, as suas contradições, mas sobretudo a sua companhia sempre me aqueceram e corrigiram. Verdadeiramente, confesso que só percebi a importância da sua vida, com a sua morte. Um costume dos ignorantes.