Quarta-feira, 26 de Setembro de 2007

cabelinhos

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Este Verão passei vários dias com o meu pai numa piscina. O cloro e o sol dão-se ali tão perfeitamente como eu e o meu pai numa piscina. No meio da água e entre espreguiçadeiras e espreguiçadeiros, no pudor agâmico de um filho, espreitei que o meu pai, por ser antigo, já não tem cabelos no peito. Fiquei a perceber que nunca tinha visto convenientemente o homem mais importante da minha vida, ou seja, nunca o tinha visto inconvenientemente. Desenrolei o olhar, como uma toalha turca, por aquele peito paterno fora, à procura de uma resposta; uma resposta à mais recente manifestação corpórea da minha meia idade: dias antes aparecera-me um cabelo branco no peito. É verdade. O primeiro. Não é que não tenha já por cima da cabeça muitos correlegionários da mesma alvura, mas estes apareceram-me cedo demais para lhes dar a importância de um sinal de maioridade.

Este cabelo de que vos falo é diferente. Rebentou curvilíneo no meu peito. Assim, sem mais nem menos, assomou. Já me tinham dito que estes cabelos não nascem como os outros. Os outros nascem e crescem devagarinho. Este, o primeiro cabelo branco, nem sequer nasce. Aparece e fica pronto, de repente. Explode por um poro acima, como se fosse lava do vulcão dos cabelinhos. E depois, é tão viçoso e altaneiro que quase se presume ser o governador do meu peito. Mas não é, que esse vive subterrâneo. Mas é, pêlo menos, o meu novo amigo do peito.

Anuncio, pois, briosamente, as boas vindas ao meu novo peitoral cabelo. Com ele, inauguro na minha vida uma nova periodização histórica aC e dC – antes do Cabelo e depois do Cabelo. Este cabelo batedor não vem calcular se o campo é úbere para mais semeaduras. Ele comunica simplesmente que vêm aí mais e que povoarão o meu peito como imigrantes ruços.

Quanto aos dias que ainda me sobram, resta-me ignorar convenientemente que este e os outros cabelinhos vulcânicos que aí vêm, nada são senão atestados albinos da minha comandante mortalidade. E contra essa nada posso. A não ser acenar, grisalho, no peito e por debaixo dele, uma involuntária bandeira de rendição.
publicado por Rui Correia às 22:41
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