Segunda-feira, 20 de Outubro de 2008

Luzes

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Passo de repente por uma incerteza metódica. É que não sei se deva dizer isto. Mas diz-se - erradamente - que as verdades são para se dizer, por isso aí vai. Os alunos que me calharam na rifa este ano são excelentes. A sério. São óptimos. São miúdos com 13, 14, 15 anos que começam a perceber que já não têm idade para serem do mesmo partido que os seus pais, que não têm de pertencer à mesma igreja que os seus pais, que já não têm idade para ainda não terem percebido por que razão andam a estudar e que, enfim, já não têm idade para que alguém os mande calar. Pois, a fornada de rapazes e raparigas do nono ano que tenho ao meu encargo é um primor. Nem faço a menor ideia se irão ter boas notas. Aquilo que sei é que têm curiosidade. Querem saber. E isso não é nada pouco, hoje em dia e desde sempre. Creio mesmo que terei este ano um dos mais compensadores anos de aulas. Hoje, por exemplo, passei uma hora a explicar-lhes de onde vem a distinção histórica entre ser-se de esquerda e de direita. E o que isso significa para os dias de hoje (que ensinar história consiste realmente nisto). Entendamo-nos. Expliquei-lhes o que era ser-se de esquerda ou de direita porque mo pediram. Não vem nos livros nem nas planificações. Trata-se, ao contrário do que possa parecer, de um exercício pedagogicamente responsabilizante e exigente. Garantir um equilíbrio, assegurar uma equidistância, desvendando em que consistem os ideários conservador e progressista sem orientar ninguém para lado algum não é coisa para amadores. São como eu gosto de dizer: “aulas que impõem respeito”. Pois hoje os meus alunos criticaram a Constituição de 1791 por exceptuar os pobres dos seus legítimos direitos políticos. E não queriam sair desta discussão. Parecia um clube de sans-cullottes. Eu provoquei-os até ao limite do pedagogicamente aceitável e do didacticamente possível fingindo-me burguês girondino com interesses fundiários. Iam-me crucificando. Das suas bocas saem coisas estranhíssimas como “Voltaire”, ou “Isso é o que o Rousseau descobriu, não é?”; mandam bocas do tipo "Ó professor tenho aqui uma dúvida metódica", ou “Deves achar que és um Diderot” (por causa da “Enciclopédia”). Eu calo-me e deixo-os despenhar-se naquele efebo rebuliço intelectual.

Acontece-me entrar numa sala de aula com uma ou outra tristeza funda e sair de lá sarado e luzente. Já me iluminaram a vida muitas vezes os meus alunos. Não é homenagem. Ou, se calhar, até é. Simplesmente lhes devo muito. Sinto-me-lhes obrigado. Mal eles sabem quanto.
publicado por Rui Correia às 23:42
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De Fernando Nabais a 21 de Outubro de 2008 às 21:54
Depois de ler o teu texto, aparece-me isto num livro: "o ensino não concede o devido lugar à reflexão política. "Nada de política na aula", diz-se com razão. Mas isso não deve significar "nada de reflexão política na aula". Pelo contrário, é preciso interrogar muito mais do que actualmente se faz." São palavras do filósofo Marcel Conche, datam de 1985 e mal o homem sabia que estava a pensar em ti. É mesmo verdade: les beaux esprits se rencontrent.
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