Segunda-feira, 20 de Novembro de 2006

tornada

paoquente.jpg

Existe alguma coisa de ancestral e nobilitante no hábito de comprar pão fresco todos os dias. Sempre que entro numa padaria, sinto-me a repetir um gesto herdeiro de milénios. Mas nem sequer é essa a principal sedução da coisa. É certo que adoro pão; fresco, então, nem se fala. Tenho anos de noitadas em busca de pão quente. Muita manteiga deliciosa, em pacotinhos deliciosos comprei eu, deliciado, para deliciosamente a espalhar por um pão, delicioso, nas deliciosas padarias da deliciosa Ponta Delgada. Muito serão passei à porta da manutenção militar de Coimbra a convencer um praça a vender-nos ilegalmente um pão de chorar por mais, por tão rico, denso, quente e grande. Noites, mais dez ou vinte, em Lisboa, no Porto, perseguindo um pão com chouriço que se vende onde apenas alguns-muitos sabem que se vende. Daquele. Bom.

Repito, porém, que não é, ainda assim, no comprar, no preparar, no comer do pão que reside o fascínio que aqui invoco. É o ritual. É o ir ao pão quente. A rotina de ir ao pão quente. Tem isto para mim um valor real, que não tem nada de poético nem de literatopatarato. Comprar pão todos os dias, redescobri-o recentemente, é um gesto próprio de quem, secretamente, quer a sua vida ordenada. E eu, receio bem, sou dado a não ter as coisas desregradas.

Comprar pão é um gesto metódico que me arrebata. O momento de sair de uma padaria com um saco de papel a arder de pão é um momento que me investe de um irrepreensível bem-estar. Rasgar um naco de pão que nos queima os dedos é um prazer sereníssimo. Penso nesse instante com este deleite, não por volúpia pantagruélica ou por sensualidade eucarística. É pela paz. Pão quente para mim é paz. Paz. Nada mais. Pão quente diz-me que está tudo bem e admite-me que tudo correrá dessa forma. Pão quente é retornar aos meus dias. Retomá-los no ponto em que os deixei. Pão quente arruma-me. Arruma-me com o cinismo. Pão quente é perceber que nada é pior do que adiar o futuro. Acreditar, enfim, que merece a pena ter esperança nos dias e nas pessoas, no futuro e nos presentes que o fazem. Voltar a acreditar em tudo o que é importante. Especialmente nessa realidade amassada e lêveda que é o amor.
publicado por Rui Correia às 00:03
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